É intrigante ler
os dois casos relatados no evangelho de Marcos, onde Jesus cura um endemoninhado
na sinagoga e uma mulher enferma em seu lar. O fato intrigante está em ser a
sinagoga local de culto, instrução e oração a Deus, onde o evangelista registra
a presença de um homem fora de si, dominado por espíritos imundos, cativo de
seu próprio entendimento, dentro de um lugar onde teoricamente deveria estar
liberto. O mesmo acontece com a cura da filha de Jairo, um importante líder do
judaísmo, que recorre ao Nazareno como última opção para manter sua filha viva,
mesmo sabendo que isso ia de encontro aos seus preceitos religiosos. Em
contrapartida a Sogra de Pedro curada de uma febre que lhe impossibilitava de
viver normalmente, é curada longe da religiosidade legalista do judaísmo, onde
prontamente logo que lhe é restabelecida a saúde, a mesma passa a servi-los,
mesmo que seja a mesa a refeição, não há uma atitude de alienação por parte
dela e sim de devoção. O mesmo acontece com a mulher do fluxo de sangue, que
gastara todo o seu dinheiro com a medicina, mas que nada adiantara a não ser lhe
arrancar seus provimentos. Pobre, ainda enferma, excluída pelo rótulo religioso
de impura, teve ousadia de enfrentar uma multidão e tocar Jesus de maneira
diferenciada ao ponto de fazê-lo interromper sua caminhada em busca de quem lhe
teria tocado entre tantos apertos pela multidão. Esse é mais um registro da
ação de Jesus longe da religiosidade oficial, sem paredes ou mestres na Lei,
apenas Jesus e os que ansiavam por liberdade.
Porém
isso não implica num rompimento de Jesus com a religião oficial, pelo contrário,
Jesus ensinava na Sinagoga para ensinar nos sábados. Um paradoxo para os
religiosos do século I na Palestina. Jesus de Nazaré cumpria a religião e seus
rituais, mas também se metia com pobres, publicanos, prostitutas, “impuros”,
dentre outros mais excluídos da sociedade judaica. Não é difícil imaginar a
indignação dos Escribas e Fariseus como uma pessoa podia ser tão contrário à
religião oficial e ao mesmo tempo utilizar dos mesmos espaços físicos
religiosos para ensinar e em dia santo. O diferencial era que Jesus pregava de
forma livre diante das exigências religiosas, pois elas impediam a prática da
essência da vontade de Deus que era promover a vida em qualquer circunstância,
além de valorizar em suas pregações o valor das ações em defesa da vida.
A
missão central de Jesus era cuidar do seu povo, começando pela saúde e
reintegrando-os a convivência social. Era eliminar o que excluía os mais pobres
em detrimento as minorias mais ricas. Escolheu a Galileia por se tratar de um
lugar muito pobre onde o julgo romano custava mais por acentuar a pobreza do
lugar. Daí Jesus de Nazaré ser um missionário itinerante, andava por várias
localidades pregando a salvação vinda de Deus e curando os enfermos, operando
milagres, convertendo as pessoas (no sentido de provocar mudança em suas vidas
para a garantia coletiva da vida).
Jesus
não prioriza os mais importantes da sociedade judaica, e sim os marginalizados,
isso se evidencia quando observamos a mulher do fluxo de sangue que consegue
parar a caminhada de Jesus à casa de Jairo, onde teve que esperar o Nazareno
curar a mulher religiosamente impura para depois continuar seu trajeto até a
casa do líder religioso. Partindo da consciência de que o Reino de Deus já se
faz na história, Jesus reintegra as pessoas oprimidas à sociedade tanto com o
corpo saudável quanto com a mente sã. Jesus então pode ser denominado como o
Profeta do Reino de Deus, onde Deus revela seu amor e seu cuidado em favor dos
mais oprimidos, os mais sofridos. Jesus de Nazaré gradualmente se tornara um
líder sociorreligioso popular, que agia em função de garantir a vida aos mais
oprimidos, assim como ovelhas sem pastor, Jesus se tornara o mestre popular da
Palestina pobre.
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